A primeira vez que ouvi falar em Auschwitz-Birkenau foi há uns 20 anos, quando tinha apenas cerca de 11 anos e li o Diário de Anne Frank. Foi preciso terminá-lo para perceber que Anne e sua família tinham sido levados do Anexo onde se escondiam em Amesterdão, na manhã de 4 de agosto de 1944, para o principal campo de concentração da Holanda, Westerbork. A última entrada do diário data de 1 de agosto de 1944. Desse campo, cerca de um mês depois, todos foram metidos em vagões e levados para Auschwitz-Birkenau na Polónia, o maior campo de concentração nazi.
Este não foi o primeiro campo de concentração que visitei, o primeiro foi o de Sachsenhausen nos arredores de Berlim mas posso dizer-te que este é mil vezes “pior” não só pelas fotografias e objetos que expõe mas também pela sua dimensão que é absolutamente brutal.
Fazendo um pequeno enquadramento histórico, Auschwitz fica na Polónia cujo território foi invadido pela Alemanha de Hitler e pela União Soviética em 1939. Esta invasão resultou na divisão do país em dois. Em 1941 a Polónia passou a estar apenas sobre domínio alemão já que a Alemanha e a União Soviética entraram também em guerra.
Na tentativa de criar uma “sociedade perfeita”, sem judeus, eslavos, ciganos e outros, os nazis criaram campos de concentração onde se aprisionavam os “indesejáveis” e Auschwitz foi apenas um deles. Quando o campo começou a ser construído em 1940, com trabalho forçado, a ideia era apenas prender os muitos polacos que já enchiam as prisões. No entanto, a partir de 1942 tornou-se o maior campo de extermínio em massa de judeus, guardado pela temível SS, e pondo em marcha parte do maquiavélico plano idealizado por Reinhard Heydrich, intitulado de “solução final”, o qual visava eliminar do território alemão todo e qualquer judeu, culminando no seu extermínio – o Holocausto. Morreram em Auschwitz cerca de 1.1 milhão de pessoas, não só nas câmaras de gás através do Zyklon B, mas também por subnutrição, excesso de trabalho, doenças, execuções, experiências médicas, etc..
Quando o Exército Vermelho se começou a aproximar do campo no final de 1944, iniciou-se a destruição das provas dos crimes e a evacuação dos prisioneiros que ainda conseguiam andar, numa enorme “marcha da morte” enquanto que os outros (cerca de 7000) foram deixados lá. Por isso, quando o Exército Vermelho chegou a Auschwitz a 27 de janeiro de 1945, o cenário que encontrou foi absolutamente devastador com pilhas de corpos, sangue por todo o lado e pessoas que não pareciam pessoas. Os soldados soviéticos, que julgavam já ter visto de tudo, mesmo assim ficaram chocados, ninguém estava preparado para ver o que viu e ninguém queria acreditar. Depois da libertação, alguns ex-prisioneiros juntaram-se e fizeram de tudo para conservar os objetos que lá tinham ficado e as próprias instalações, para que o campo se tornasse num museu e assim se concretizou em 1947.
Para chegar a Auschwitz, convém viajar até Cracóvia e depois então fazer a deslocação para lá. A forma mais económica de o fazer a partir de Cracóvia é apanhar o autocarro na Krakow Glówny, ou seja na estação central, no piso superior onde também é possível comprar o bilhete. O autocarro a apanhar é o que tem como destino Oświęcim, o verdadeiro nome de Auschwitz já que Auschwitz foi o nome dado pelos nazis. A viagem dura cerca de 1h25 e custa 15 zlots para cada lado (cerca de 8€ ida e volta). O autocarro pára mesmo no Memorial e para voltar basta apanhar o que vá em direção a Cracóvia, sendo que podes consultar os horários aqui.
A entrada no museu é livre mas dependendo da altura do ano e do horário poderá ser obrigatório realizar a visita com um guia, o qual tem um custo de 50 zlots (cerca de 12€), dura cerca de 3h50 e pode ser marcado aqui. Confesso que tenho pena de não ter realizado a visita sem guia apesar de não me ter desiludido, no entanto fiquei com a ideia que poderia ter visto tudo com mais atenção e mais calmamente. De qualquer forma na altura em que fui não era possível ou teria de chegar demasiado cedo. No interior do museu podemos visitar as duas partes do antigo campo Auschwitz I e Auschwitz II – Birkenau. A entrada é feita por Auschwitz I, sendo que no final da visita desta parte do campo é possível apanhar um autocarro gratuito para Auschwitz II cuja viagem dura cerca de 10 minutos.
Visitar Auschwitz é uma experiência avassaladora e de certa forma perturbante, a qual não aconselho aos mais sensíveis. Mesmo tendo noção do que iria encontrar e sabendo de todos os horrores que ali se passaram, é impossível não pensar por momentos que aquilo não é real e que não passa de um cenário de um filme de terror mas o que é certo é que não, é a mais dura das realidades espelhada naquelas paredes, naqueles objetos, naquelas fotografias. Pior é que, apesar de ser o maior, este é apenas um de muitos campos espalhados por aí e que não existiram apenas na Alemanha nazi, basta recordar por exemplo os GULAGs da União Soviética.
Confesso que nem tirei mais fotos no interior das barracas porque até me custava fazê-lo, perante um certo sentimento de desrespeito para com as vítimas, tanto que nalguns locais até é proibido. Não é fácil sair daqui sem um nó na garganta. Imaginem o que não terão passado os que ali foram parar se até mesmo alguns dos sobreviventes se sentem envergonhados/culpados de terem sobrevivido. É mesmo bastante triste. Julgo que a experiência de ir a Auschwitz pode ser enriquecedora do ponto de vista de querer aprender um pouco mais sobre História e para nos apercebermos que muitos dos nossos pequenos problemas do dia a dia são absolutamente insignificantes perante tamanha atrocidade. De recordar que isto não se passou na Idade Média mas sim no século passado, e que tudo acabou há apenas pouco mais de 70 anos.
Para terminar, deixo-vos um poema do escritor Primo Levi, também aprisionado em Auschwitz, a propósito da condição humana dos que passaram pelos campos de concentração. Este poema pode ser lido no seu brilhante livro “Se isto é um homem.” no qual relata como era a sua vida no maior e mais mortífero campo de concentração nazi.
“Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas,
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece a paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelo e sem nome
Sem mais força para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa, andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entrave,
Que os vossos filhos vos virem a cara.”
3 comentários
Gostei imenso deste post, Sandra, de como contextualizaste historicamente, e das fotografias, que estão muito boas! Nunca fui até lá e gostava de ir, ainda que saiba que me vai impressionar muito. Lembrar que isto aconteceu é daquelas situações que nos faz colocar muita coisa em perspectiva. É dos actos mais bárbaros que o Homem cometeu e, tal como referes, nem foi assim há tanto tempo…
Esta época da História foi das que mais gostei de estudar e desde aí que me interesso bastante por este tema, por ver filmes e ler livros que abordam o assunto. O meu favorito é “Awuschwitz, Os Nazis e a Solução Final, de Laurence Rees”.
Um beijinho,
Sofia Garrido • Photographer | Blog
Obrigada por partilhar este experiência.
Já visitei Dachau e senti o mesmo que aqui descreveu.
Obrigada eu pela sua visita aqui ao blog!